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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Reflexões sobre software livre, ética hacker e prática docente

Interessante pensar na concepção de software livre a partir do entendimento do que é um hardware e do que é um software e de sua lógica de construção.  Um hardware é a parte física (que no meu entendimento pode ser chamada de ferramenta) da máquina (Tv, rádio, relógio, GPS, celular,...), é a estrutura que “abrigará” o software. Software, expressão surgida em 1940 como resultado de um trocadilho com o termo hardware; compreende um programa ou conjunto de programas que fazem a máquina funcionar. Posso dizer que o software seria o cérebro da máquina, o que faz com que ela funcione. Os softwares são construídos utilizando uma linguagem específica (conjunto de códigos, sinais com sentido próprio) a partir de sequencias de instruções que serão interpretados por um processador.  É o perfeito entendimento entre o processador e o programa, que fará com que a máquina (o computador, por exemplo) funcione da forma desejada.
 
O código ou conjunto de códigos utilizados na elaboração de um programa (software) é chamado de código fonte (base, matriz), é ele o responsável não apenas pelo funcionamento inicial do programa, mas também é a partir dele que qualquer alteração, inclusive de aprimoramento, pode ser feita. Todos os softwares, naturalmente, possuem seu código fonte. Esse código pode estar nas mãos de um grupo, uma empresa ou uma pessoa, constituindo-se “sua” propriedade, uma vez que ele (o proprietário) detém o “segredo”, a “senha”, o código, o poder – é a lógica capitalista e mercadológica, digamos assim, do software proprietário.

 
O movimento contrário ao da lógica mercadológica e “egoísta” do software proprietário é o do software livre, inspirado nas ideias de Linus Torvald, que criou o sistema operacional Linux, cujo código fonte viria a ser compartilhado, liberado para melhoria e aperfeiçoamento, por parte dos seus usuários.  Segundo Bonilla,
 
...o software livre caracteriza-se como um movimento social, que se situa no plano político, e tem a liberdade como princípio fundamental. O grande objetivo é facilitar o acesso das pessoas ao conhecimento que está implicado nesse produto e em seu processo de desenvolvimento, conhecimento este que, historicamente, tem diferenciado os países desenvolvidos dos demais, possibilitando, inclusive, a manutenção das hegemonias políticas e econômicas.     

 
O movimento de liberação do código fonte fez surgir uma figura controversa e rebelde às regras fechadas da sociedade da informação, impostas pelos proprietários detentores dos códigos e segredos – os hackers. Hackers são, de acordo com Himanen (2001), indivíduos apaixonados e entusiasmados pela linguagem de programação, que defendem o compartilhamento de informações e descobertas como um bem positivo, poderoso e que na sua concepção deve ser comum a todos (acessível, aberto, livre) diferenciando esse compartilhamento da invasão criminosa e destruidora - prática comum aos que eles (os hackers) passaram a chamar de crackers.

A discussão sobre software livre enquanto movimento político e a lógica dos hackers deve, ao meu ver, permear a prática do educador. Pekka Himanen apresenta sete valores existentes em uma ética hacker. São estes: paixão, liberdade, valor/sentido social, abertura, atividade, consideração e criatividade. Numa definição rápida a paixão corresponderia ao que Linus chamou de entretenimento, entusiasmo e prazer pelo trabalho; a liberdade está associada ao estilo de vida dos hackeres, ao lúdico, à experimentação e à realização do trabalho em horário mais conveniente sem o aprisionamento do relógio na / da sociedade capitalista; valor ou sentido social relaciona-se à importância e contribuição do trabalho pela e para a comunidade (trabalho como um bem social); abertura diz respeito ao código aberto, às possibilidades de ser melhorado, aprimorado, copiado; atividade corresponde à aplicabilidade dos princípios e valores de cada indivíduo; a consideração refere-se ao respeito ao outro, à vida em comunidade contribuindo para um clima harmonioso e finalmente a criatividade logicamente ligada à possibilidade de inovar, de criar sempre algo surpreendente, novo, autêntico... Indispensável à criação, desenvolvimento e aprimoramento de softwares; às descobertas e à alimentação do compartilhamento, essenciais à prática de uma educação libertária como tanto sonhou Paulo Freire.

Referências:
BONILLA, Maria Helena. Formação de professores e software livre: para além da dimensão técnica. In: FANTIN, Monica; RIVOLTELLA, Pier Cesare. Cultura Digital e Escola: pesquisa e formação de professores. São Paulo: Papirus, 2012.


HIMANEN, Pekka. A ética dos Hackers e o espírito da era da informação; a importância dos exploradores da era digital. Tradução de Fernando Wolff. Rio de Janeiro: Campus, 2001.

 

 

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