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terça-feira, 16 de outubro de 2012

Alfabetização, letramento e...


A vida é um ciclo interminável de aprendizagens, construções, desconstruções e reconstruções de saberes, conceitos, ideias e pontos de vista. Pensar nessa “inconclusão”, nesta fluidez e dinâmica coloca-nos deliciosamente na condição de eternos aprendizes.
Até outro dia eu estava compreendendo o conceito de letramento e me vi, após leituras e discussões, às voltas após constatar segundo Magda Soares que embora alfabetizada (como um ciclo fechado), não poderia me considerar uma letrada absoluta, uma vez que sempre há conceitos a construir, descobertas a fazer, teorias a entender. O processo do letramento não se esgota na mera compreensão de um texto, de uma teoria, uma abordagem. Frequentemente somos apresentados a novas expressões, novas produções sobre as quais não temos conhecimento e precisamos recorrer a processos físicos e mentais (intelectuais e psicológicos) ou sociais (interação com o outro, na perspectiva de  Vygosty) para descortinar o que se apresenta como novo.
O termo letrado não é dicionarizado, foi incorporado à língua portuguesa a partir da tradução da palavra “literacy”, em inglês cujo significado é “condição de ser letrado”. Com os discursos de inserção do indivíduo na sociedade da informação, do conhecimento, do pensamento e a preocupação em superar as práticas educativas meramente reprodutivistas percebeu-se que o simples ato de alfabetizar (decodificar o sistema signico: ler e escrever) não mais dava conta de atender às demandas dessa sociedade “pensante”, surgindo a concepção de letramento.  
Ainda assim há uma variedade de termos, definições e entendimento acerca do processo de alfabetização. Muitos documentos, inclusive oficiais, a exemplo do PNE (Plano Nacional de Educação), utilizam expressões como analfabetismo funcional para designar o indivíduo que apenas decifra o código da escrita (alfabetizado, mas não letrado) e analfabetismo absoluto para designar o indivíduo que desconhece completamente o sistema sígnico da língua escrita.
Alguns escritos apresentam a ideia de que um indivíduo pode ser letrado (uma vez que o letramento envolve a leitura de mundo) em diversos aspectos e não alfabetizada (em relação ao entendimento do código escrito), assim como pode ser alfabetizado (em relação ao entendimento do código, decodificar letras) e não ser letrado (em relação à aplicação da língua em situações que envolvam operações de raciocínio, análise, síntese e posicionamento crítico), mas há algumas controvérsias em relação a esta ideia, uma vez que o letramento acontece, segundo Magda Soares (2004), como consequencia de o indivíduo ter se apropriado da escrita e da leitura e a incorporação em suas práticas sociais. Logo, entende-se que o letramento ocorre como ampliação do processo de alfabetização, mas não de forma isolada. “Alfabetizar letrando” é hoje o grande desafio de educadores no trabalho com a linguagem oral e escrita, preparando os indivíduos não apenas para ler e escrever mas também para interpretar, analisar, confrontar, extrapolar  o conteúdo dos textos e fazer uso desses conhecimentos em suas práticas sociais, além da escola.
De acordo com Magda Soares, referência em pesquisas e abordagens sobre alfabetização e letramento,   
 
Se alfabetizar significa orientar a criança para o domínio da tecnologia da escrita, letrar significa levá-la ao exercício das práticas sociais de leitura e de escrita. Uma criança alfabetizada é uma criança que sabe ler e escrever; uma criança letrada (tomando este adjetivo no campo semântico de letramento e de letrar, e não com o sentido que tem tradicionalmente na língua, este dicionarizado) é uma criança que tem o hábito, as habilidades e até mesmo o prazer de leitura e de escrita de diferentes gêneros de textos, em diferentes suportes ou portadores, em diferentes contextos e circunstâncias (Soares, 2003).
O letramento, como vimos, apresenta-se como uma ampliação no sentido da alfabetização, uma vez que o indivíduo letrado além de saber ler e escrever, sabe fazer uso competente da leitura e escrita utilizando também para isso as vivências e experiências acumuladas ao longo da vida. Segundo Paulo Freire (1984) "o domínio sobre os signos linguísticos escritos, mesmo pela criança que se alfabetiza, pressupõe uma experiência social que o precede – a da 'leitura' do mundo”, entendida, nesse contexto, como sendo o letramento.
No contexto atual, onde aos processos e práticas educacionais e sociais vêm sendo incorporadas as tecnologias da informação e comunicação (TIC), surge um novo campo de atuação do alfabetizador. De repente, em algum momento, nós alunos ou educadores (principalmente os educadores), imigrantes digitais, segundo Prensky (2001) nos descobrimos parte de uma nova categoria, os analfabetos digitais. Individuos nascidos numa outra geração mas que, movidos ou motivados pelos artefatos tecnológicos, vamos nos apropriando de um novo (ou novos) sistema signico – uma nova linguagem, a linguagem do computador, da internet.
E, para este contexto, a compreensão dos conceitos e da importância do letramento aplica-se satisfatoriamente, pois, se o indivíduo “letrado” é aquele que além de apropriar-se da leitura e da escrita escrita (códigos), faz uso consciente desses conhecimentos em suas práticas sociais o letramento digital envolve os processos de manejo e uso técnico da máquina (conhecimento e uso dos programas, das linguagens básicas de programação) incorporando ações produtivas e colaborativas no seu dia a dia.
O sujeito, eterno aprendiz, na perspectiva do letramento seja da língua ou digital encara o estudo como um processo contínuo, um ato socialmente político que o auxilia a intervir na sociedade da qual faz parte de maneira ativa e ativista.  De acordo com Freire (1989, p. 58-9), “(...) o ato de estudar, enquanto ato curioso do sujeito diante do mundo é expressão da forma de estar sendo dos seres humanos, como seres sociais, históricos, seres fazedores, transformadores, que não apenas sabem mas sabem que sabem.”
Referências:

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados, 1989.
_________ Cartas a Guiné-Bissau: Registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 4a. ed., 1984
PRENSKY,  Marc. “Digital Natives, Digital Immigrants Part 1″, On the Horizon, Vol. 9, 2001
SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.
____________. O que é Letramento e Alfabetização. In: Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

Um comentário:

Bonilla disse...

Muito bem Léa,
gostei - se soltou... é isso aí, aproveite esse espírito libertário para escrever a dissertação.

bjs