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terça-feira, 27 de março de 2012

Ainda... a Cibercultura!



Desde que comecei a ler os textos de André Lemos1 e de Elizabeth Saad Corrêa2 sobre a cibercultura e essas possibilidades de recombinação dos diversos elementos na cultura contemporânea e de formação de novos saberes-vivências, me veio à mente a questão da alquimia enquanto concepção e enquanto prática.
A alquimia era (ou é) uma prática da antiguidade que tinha como base combinar os elementos da astrologia, antropologia, filosofia, matemática, misticismo,... e da química com a finalidade de transmutar os elementos (metais mais inferiores em ouro, por exemplo) para alcançar dentre outras coisas, o elixir da longa vida. Metaforicamente falando, essa transformação de elementos mais inferiores em ouro relaciona-se a uma mudança de consciência, como o resultado de um processo evolutivo.
No mundo da cibercultura ou no cibermundo uma alquimia digital, mais uma vez usando uma metáfora, permite recombinar, mesclar elementos, reproduzir, produzir, socializar, expandir, distribuir... transformando as relações entre o humano e os artefatos tecnológicos e culturais e entre o homem e ele mesmo, criando, segundo Lemos os territórios informacionais, especialmente com a expansão das tecnologias móveis (comunicação sem fio).
A sociedade é híbrida desde sempre. Mutações culturais são históricas. As reconfigurações, justaposições, aglutinações, mesclagens, apropriaçoes,... são características do campo da cultura que não é e nem pode ser inflexível, impermeável a outras formas de cultura. E é essa permeabilidade que mantem a cultura e a sociedade vivas, dinâmicas, interessantes.
Lemos apresenta três princípios norteadores da cibercultura: um primeiro é a liberação do pólo da emissão, uma descentralização na produção e emissão de informações, especialmente com o boom dos blogs, redes sociais e das multimídias, como o celular (tele tudo), o que Corrêa cita como ubiquidade; uma segunda lei é a conexão, princípio fundamental para a difusão dos saberes. Na cibercultura, não basta produzir, é fundamental publicar, compartilhar. Neste caso, a rede (internet) exerce um papel visceral. É graças a ela, e daí a luta pela universalização do acesso à web de qualidade (banda larga), que torna possível que o indivíduo seja um comunicador, um difusor de informações e conhecimentos. Aqui vai uma crítica à lentidão e descaso das políticas públicas que preocupam-se em dotar as escolas com tecnologia (tablets, PC ou UCA, por exemplo), mas não provem a infraestrutura para a conexão. Qual o sentido desses projetos ou programas na cibercultura?
E por fim, o terceiro princípio apresentado pelo autor é o da reconfiguração da indústria cultural de massa, para a cultura infocomunicacional. O que há, portanto, é uma reformulação e não o fim da cultura massiva.
E a cibercultura é, por tudo que se tem estudado e vivenciado, um território rico de possibilidades de recombinações, de estabelecimento de novos saberes e vivências, e por que não dizer, de alquimias!?
1. CIBERCULTURA COMO TERRITÓRIO RECOMBINANTE - André Lemos2. CIBERCULTURA: UM NOVO SABER OU UMA NOVA VIVÊNCIA? - Elizabeth Saad Corrêa do livro que estão na parte II do livro A CIBERCULTURA E SEU ESPELHO. Campo de conhecimento emergente e nova vivência humana na era da imersão interativa - Eugênio Trivinho e Edilson Cazeloto (Org.), da Coleção ABCiber, disponível em <http://abciber.org/publicacoes/livro1/a_cibercultura_e_seu_espelho.pdf>

quinta-feira, 22 de março de 2012

Os dilemas da pós-modernidade


Esses dias tenho me deparado (eu e o Bauman) com a questão da modernidade ou da pós-modernidade. Enquanto o lia e o assistia (vídeo “As fronteiras do pensamento”), refletia sobre algumas questões relacionadas ao mundo, à vida e à condição social do homem. E, nessas reflexões, percebi elementos paradoxais nas falas dele e nas minhas concepções. No vídeo Bauman, numa linguagem fluida, discorre sobre diversos aspectos da vida na sociedade moderna e pós-moderna: inicialmente ele fala da passagem de uma sociedade de produção (economicamente falando) para uma sociedade de consumo e, paralelamente a isso, penso na ambivalência da sociedade do século XXI, a da comunicação e informação, onde se busca mais a produção (de saberes e conhecimentos) do que o consumo.Outro aspecto abordado é a fragmentação da sociedade. Na modernidade os indivíduos eram levados a, citando Sartre, ter um projeto de vida, o que não acontece hoje onde a vida humana é individualizada e dividida em episódios. Na fluidez da pós-modernidade, ter um projeto de vida para a vida toda é um paradoxo, considerando que a vida muda muito e sempre e não se pode definir qual mudança será mais duradoura ou mais impactante. A multiplicação de seres humanos e o estabelecimento das múltiplas conexões, das relações e a interdependência entre os seres, graças ao fenômeno da globalização e outros movimentos de expansão das tecnologias de informação e comunicação, a exemplo da internet, conectou o mundo criando a aldeia global ou o mundo único, conforme aponta Bauman.O domínio do homem sobre o mundo, a exploração dos recursos em geral, a expansão das relações, a recriação das “Ágoras”modernas (como as redes sociais, por exemplo), tem acirrado os dilemas ambientais – levando aos limites da suportabilidade , vem abalando o futuro da democracia – possibilitando talvez a criação da democracia global e modificando/dinamizando as relações entre os seres humanos de modo geral.A crise da democracia, apontada como um dos dilemas do mundo pós-moderno, e a possibilidade do surgimento de uma democracia global, me fez refletir se, de fato ela já não existe. Então questiono se desde a política neoliberalista do estado mínimo até a criação dos blocos econômicos, das organizações tipo ONU, OEA, ALCA, OTAN, etc já não seria o estabelecimento de uma democracia geral, onde uns discutem e decidem regras, padrões, metas para um grupo que transcende o estado político? Já não estaria configurada, de certa forma, a crise entre o poder e a política?Bauman encerra suas reflexões, romanticamente falando das redes e dos laços humanos; critica a fragilidade das relações estabelecidas nas redes sociais (online) e paradoxalmente, fala da “solidez” e prisão das relações olho-no-olho (offlines) que requer maior compromisso e envolvimento, já que não basta desconectar; entretanto aprisiona “até que a morte os separe”. A vida pós- moderna, embora haja controvérsias, conectou os seres nos diversos cantos do mundo, difundiu informações, culturas. Entretanto, criou solitários em meio a uma multidão de solitários e comprometeu dois valores essenciais: a liberdade e a segurança. Ou se tem liberdade em troca da segurança ou então é preciso abrir mão da segurança para ter a liberdade. Os dois, na civilização pós-moderna, não se somam, é sempre uma troca, numa relação de perdas e ganhos.Penso que, diante de fenômenos irreversíveis da atualidade, o bom é acreditar que na busca pela felicidade, pelo bem estar ou por qual nome se dê à sua “mina de ouro”, existem elementos que são importantes e que estão presentes na modernidade ou pós-modernidade, onde quer que você se situe: cada vez mais aparecem novas possibilidades, oportunidades, artefatos, recursos, opções,.. que se bem escolhidos podem sim contribuir para a criação da minha e da sua forma de viver e de ser feliz!

terça-feira, 13 de março de 2012

Bauman e a Modernidade Líquida

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman apresenta em seu livro Modernidade Líquida (escrito no final da década de 90 e lançado em 2001 no auge do boom tecnológico com a “expansão” da internet) as transformações pelas quais a sociedade vem passando em relação à vida pública e privada, estados e instituições sociais, relacionamentos, trabalho e a relação tempo – espaço, utilizando a metáfora da liquefação.
O dinamismo e flexibilidade da modernidade imediata assemelham-se à leveza e fluidez dos líquidos que não “fixam o espaço e nem prendem o tempo”, antes porém se adaptam e se moldam conforme o recipiente no qual estejam contidos, suplantando, segundo Bauman, a modernidade sólida, inflexível e presa ao espaço e à forma inicial, necessitando de forças para se moldar a novas formas. Essa transição trouxe mudanças em todos os aspectos da vida, alterando as relações sociais e a vida em comunidade.
A análise dessa liquidez é feita pelo autor em cinco capítulos que abordam os seguintes tópicos: a emancipação, a individualidade, o tempo e espaço, o trabalho e a comunidade.
No capítulo que trata do tempo e espaço, Bauman, faz uma análise da vida (o estar juntos) em comunidade – a “última relíquia das utopias”. Vida esta, nos dias de hoje, protegida por cercas, câmeras, guardiões,... e recheada de ações, inclusive iniciativas públicas, de tornar cada vez mais os lugares mais seguros, entretanto menos livres.
A relação entre os seres é permeada pela insegurança e pela sensação de conspiração, tornando o bem estar e “o viver juntos” uma utopia a ser conquistada. A cidade não passa de um aglomerado onde acontecem os encontros sem passado e sem futuro, de pessoas estranhas que não tem nenhum compromisso e afinidade e que talvez nunca virão a ter.
O espaço, ainda que de forma simplista é entendido como aquilo que se pode percorrer em determinado tempo e o “tempo” pode ser compreendido como o que se precisa para percorrer este espaço. O tempo, associado naturalmente a uma história, delineia a modernidade e esta quanto mais líquida e fluida amplia os espaços com o desenvolvimento de softwares e máquinas e faz com que cada vez mais caibam coisas dentro do tempo.
A vida humana parece balizada sempre entre dois parâmetros ou dois pilares, que muito mais se opõem ou contradizem do que se completam: o passado e o futuro, o bem e o mal, o permitido e o proibido, o seguro e o inseguro, o durável e o transitório,... Mas há que se considerar que viver numa modernidade líquida requer mais que flexibilidade e dinamismo; implica em contribuir para que a vida em si, com seus muitos afazeres, não perca sua utilidade e seu sentido.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001 (prefácio e cap. 3).
Para conhecer mais sobre o tema, assista à entrevista com Zygmunt Bauman. Vale a pena!