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terça-feira, 16 de outubro de 2012

Alfabetização, letramento e...


A vida é um ciclo interminável de aprendizagens, construções, desconstruções e reconstruções de saberes, conceitos, ideias e pontos de vista. Pensar nessa “inconclusão”, nesta fluidez e dinâmica coloca-nos deliciosamente na condição de eternos aprendizes.
Até outro dia eu estava compreendendo o conceito de letramento e me vi, após leituras e discussões, às voltas após constatar segundo Magda Soares que embora alfabetizada (como um ciclo fechado), não poderia me considerar uma letrada absoluta, uma vez que sempre há conceitos a construir, descobertas a fazer, teorias a entender. O processo do letramento não se esgota na mera compreensão de um texto, de uma teoria, uma abordagem. Frequentemente somos apresentados a novas expressões, novas produções sobre as quais não temos conhecimento e precisamos recorrer a processos físicos e mentais (intelectuais e psicológicos) ou sociais (interação com o outro, na perspectiva de  Vygosty) para descortinar o que se apresenta como novo.
O termo letrado não é dicionarizado, foi incorporado à língua portuguesa a partir da tradução da palavra “literacy”, em inglês cujo significado é “condição de ser letrado”. Com os discursos de inserção do indivíduo na sociedade da informação, do conhecimento, do pensamento e a preocupação em superar as práticas educativas meramente reprodutivistas percebeu-se que o simples ato de alfabetizar (decodificar o sistema signico: ler e escrever) não mais dava conta de atender às demandas dessa sociedade “pensante”, surgindo a concepção de letramento.  
Ainda assim há uma variedade de termos, definições e entendimento acerca do processo de alfabetização. Muitos documentos, inclusive oficiais, a exemplo do PNE (Plano Nacional de Educação), utilizam expressões como analfabetismo funcional para designar o indivíduo que apenas decifra o código da escrita (alfabetizado, mas não letrado) e analfabetismo absoluto para designar o indivíduo que desconhece completamente o sistema sígnico da língua escrita.
Alguns escritos apresentam a ideia de que um indivíduo pode ser letrado (uma vez que o letramento envolve a leitura de mundo) em diversos aspectos e não alfabetizada (em relação ao entendimento do código escrito), assim como pode ser alfabetizado (em relação ao entendimento do código, decodificar letras) e não ser letrado (em relação à aplicação da língua em situações que envolvam operações de raciocínio, análise, síntese e posicionamento crítico), mas há algumas controvérsias em relação a esta ideia, uma vez que o letramento acontece, segundo Magda Soares (2004), como consequencia de o indivíduo ter se apropriado da escrita e da leitura e a incorporação em suas práticas sociais. Logo, entende-se que o letramento ocorre como ampliação do processo de alfabetização, mas não de forma isolada. “Alfabetizar letrando” é hoje o grande desafio de educadores no trabalho com a linguagem oral e escrita, preparando os indivíduos não apenas para ler e escrever mas também para interpretar, analisar, confrontar, extrapolar  o conteúdo dos textos e fazer uso desses conhecimentos em suas práticas sociais, além da escola.
De acordo com Magda Soares, referência em pesquisas e abordagens sobre alfabetização e letramento,   
 
Se alfabetizar significa orientar a criança para o domínio da tecnologia da escrita, letrar significa levá-la ao exercício das práticas sociais de leitura e de escrita. Uma criança alfabetizada é uma criança que sabe ler e escrever; uma criança letrada (tomando este adjetivo no campo semântico de letramento e de letrar, e não com o sentido que tem tradicionalmente na língua, este dicionarizado) é uma criança que tem o hábito, as habilidades e até mesmo o prazer de leitura e de escrita de diferentes gêneros de textos, em diferentes suportes ou portadores, em diferentes contextos e circunstâncias (Soares, 2003).
O letramento, como vimos, apresenta-se como uma ampliação no sentido da alfabetização, uma vez que o indivíduo letrado além de saber ler e escrever, sabe fazer uso competente da leitura e escrita utilizando também para isso as vivências e experiências acumuladas ao longo da vida. Segundo Paulo Freire (1984) "o domínio sobre os signos linguísticos escritos, mesmo pela criança que se alfabetiza, pressupõe uma experiência social que o precede – a da 'leitura' do mundo”, entendida, nesse contexto, como sendo o letramento.
No contexto atual, onde aos processos e práticas educacionais e sociais vêm sendo incorporadas as tecnologias da informação e comunicação (TIC), surge um novo campo de atuação do alfabetizador. De repente, em algum momento, nós alunos ou educadores (principalmente os educadores), imigrantes digitais, segundo Prensky (2001) nos descobrimos parte de uma nova categoria, os analfabetos digitais. Individuos nascidos numa outra geração mas que, movidos ou motivados pelos artefatos tecnológicos, vamos nos apropriando de um novo (ou novos) sistema signico – uma nova linguagem, a linguagem do computador, da internet.
E, para este contexto, a compreensão dos conceitos e da importância do letramento aplica-se satisfatoriamente, pois, se o indivíduo “letrado” é aquele que além de apropriar-se da leitura e da escrita escrita (códigos), faz uso consciente desses conhecimentos em suas práticas sociais o letramento digital envolve os processos de manejo e uso técnico da máquina (conhecimento e uso dos programas, das linguagens básicas de programação) incorporando ações produtivas e colaborativas no seu dia a dia.
O sujeito, eterno aprendiz, na perspectiva do letramento seja da língua ou digital encara o estudo como um processo contínuo, um ato socialmente político que o auxilia a intervir na sociedade da qual faz parte de maneira ativa e ativista.  De acordo com Freire (1989, p. 58-9), “(...) o ato de estudar, enquanto ato curioso do sujeito diante do mundo é expressão da forma de estar sendo dos seres humanos, como seres sociais, históricos, seres fazedores, transformadores, que não apenas sabem mas sabem que sabem.”
Referências:

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados, 1989.
_________ Cartas a Guiné-Bissau: Registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 4a. ed., 1984
PRENSKY,  Marc. “Digital Natives, Digital Immigrants Part 1″, On the Horizon, Vol. 9, 2001
SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.
____________. O que é Letramento e Alfabetização. In: Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Tecnologia e tecnologia assistiva


“Para as pessoas sem deficiência, a tecnologia torna as coisas mais fáceis.
Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis”
(RADABAUGH, 1993)

 
A tecnologia faz parte da vida do homem desde sempre. A criação de instrumentos de caça, pesca, proteção,  nas sociedades primitivas envolvia técnicas cada vez mais elaboradas pelo homem a fim de utilizar os recursos naturais, de garantir a sobrevivência ou mesmo de aprimorar as suas ações no dia a dia. Exemplos claros desse processo vão desde a arte rupestre, moldagem das pedras, e as ferramentas mais antigas, resultados da pedra lascada e a invenção da roda, são exemplos claros da transformação de materiais brutos e "crus" em produtos úteis.
 
Um dos grandes feitos da época que impulsionou o desenvolvimento de técnicas mais aprimoradas e abriu caminho para um grande crescimento social e econômico foi a descoberta e o uso do fogo. Tal descoberta possibilitou desde um melhor aproveitamento de alimentos até a modificação de recursos naturais como os metais, a madeira, a transformação da lenha e do carvão em combustível e a criação de uma infinidade de produtos a partir da fundição de rochas e metais. Pensando em todas estas questões e no esforço humano para desenvolver e aprimorar técnicas ao longo dos tempos fica claro que a tecnologia (utilizada nessas e em todas as invenções) é uma atividade que forma e modifica a vida e a cultura em geral.      

 Embora a tecnologia seja antiga e, nesse contexto histórico, já se perceba o emprego de técnicas para melhorar a vida em geral (todos os seres vivos), exemplo disso é a transformação de um pedaço de madeira  em uma muleta para auxiliar a movimentação de idosos ou de pessoas com dificuldade de locomoção, o termo tecnologia assistiva é novo e ainda encontra-se em fase de definição/compreensão. Para Manzini (2005),

 
Os recursos de tecnologia assistiva estão muito próximos do nosso dia-a-dia. Ora eles nos causam impacto devido à tecnologia que apresentam, ora passam quase despercebidos. Para exemplificar, podemos chamar de tecnologia assistiva uma bengala, utilizada por nossos avós para proporcionar conforto e segurança no momento de caminhar, bem como um aparelho de amplificação utilizado por uma pessoa com surdez moderada ou mesmo veículo adaptado para uma pessoa com deficiência. (MANZINI, 2005, p. 82)

 O termo “tecnologia assistiva” surgiu  em 1988, num contexto de leis que regulam os direitos dos cidadãos com necessidades especiais, inicialmente nos EUA, onde tais pessoas passaram a ter direitos a serviços especializados, incluindo-se no contexto social geral, acompanhando posteriormente no Brasil o movimento do discurso da inserção das tecnologias na educação e da inclusão social.
 
A relação entre as tecnologias assistivas (TA) e a educação ainda é bem incipiente. Além das carências estruturais (falta de recursos, de produtos adaptados, de espaços físicos, de adequação desses espaços,...), falta investimento em formação e preparo dos atores que lidarão diretamente com os portadores de necessidades especiais que farão uso das TA. As políticas públicas de inclusão são meramente ditadoras, impositivas (embora não haja fiscalização ou acompanhamento da implementação dessas políticas), sem apontar os meios de incluir tanto os educadores quanto os portadores de necessidades especiais.
 A rede de atendimento e apoio às escolas é muito escassa, os CAPS (Centros de Apoio Psicossocial), deficitários em termos de recursos humanos e tecnológicos, não dão conta de atender às demandas e os cursos de formação não contemplam a diversidade de especificidades apresentadas pela sociedade.

 Ainda no que tange ao uso da TA na educação, finalizo essas considerações com o que diz Bersh e que acredito ser fundamental a qualquer processo educativo, independente de necessidades ou potencialidades. Para Bersh, a aplicação da Tecnologia Assistiva na educação vai além de simplesmente auxiliar o aluno a ‘fazer’ tarefas pretendidas. Nela, encontramos meios de o aluno ‘ser’ e atuar de forma construtiva no seu processo de desenvolvimento” (BERSCH, 2006, p. 92)

 

Referências:

BERSCH, R. Tecnologia assistiva e educação inclusiva. In: Ensaios Pedagógicos, Brasília: SEESP/MEC, p. 89-94, 2006.

MANZINI, E. J. Tecnologia assistiva para educação: recursos pedagógicos adaptados. In: Ensaios pedagógicos: construindo escolas inclusivas. Brasília: SEESP/MEC, p. 82-86, 2005.

 

Reflexões sobre software livre, ética hacker e prática docente

Interessante pensar na concepção de software livre a partir do entendimento do que é um hardware e do que é um software e de sua lógica de construção.  Um hardware é a parte física (que no meu entendimento pode ser chamada de ferramenta) da máquina (Tv, rádio, relógio, GPS, celular,...), é a estrutura que “abrigará” o software. Software, expressão surgida em 1940 como resultado de um trocadilho com o termo hardware; compreende um programa ou conjunto de programas que fazem a máquina funcionar. Posso dizer que o software seria o cérebro da máquina, o que faz com que ela funcione. Os softwares são construídos utilizando uma linguagem específica (conjunto de códigos, sinais com sentido próprio) a partir de sequencias de instruções que serão interpretados por um processador.  É o perfeito entendimento entre o processador e o programa, que fará com que a máquina (o computador, por exemplo) funcione da forma desejada.
 
O código ou conjunto de códigos utilizados na elaboração de um programa (software) é chamado de código fonte (base, matriz), é ele o responsável não apenas pelo funcionamento inicial do programa, mas também é a partir dele que qualquer alteração, inclusive de aprimoramento, pode ser feita. Todos os softwares, naturalmente, possuem seu código fonte. Esse código pode estar nas mãos de um grupo, uma empresa ou uma pessoa, constituindo-se “sua” propriedade, uma vez que ele (o proprietário) detém o “segredo”, a “senha”, o código, o poder – é a lógica capitalista e mercadológica, digamos assim, do software proprietário.

 
O movimento contrário ao da lógica mercadológica e “egoísta” do software proprietário é o do software livre, inspirado nas ideias de Linus Torvald, que criou o sistema operacional Linux, cujo código fonte viria a ser compartilhado, liberado para melhoria e aperfeiçoamento, por parte dos seus usuários.  Segundo Bonilla,
 
...o software livre caracteriza-se como um movimento social, que se situa no plano político, e tem a liberdade como princípio fundamental. O grande objetivo é facilitar o acesso das pessoas ao conhecimento que está implicado nesse produto e em seu processo de desenvolvimento, conhecimento este que, historicamente, tem diferenciado os países desenvolvidos dos demais, possibilitando, inclusive, a manutenção das hegemonias políticas e econômicas.     

 
O movimento de liberação do código fonte fez surgir uma figura controversa e rebelde às regras fechadas da sociedade da informação, impostas pelos proprietários detentores dos códigos e segredos – os hackers. Hackers são, de acordo com Himanen (2001), indivíduos apaixonados e entusiasmados pela linguagem de programação, que defendem o compartilhamento de informações e descobertas como um bem positivo, poderoso e que na sua concepção deve ser comum a todos (acessível, aberto, livre) diferenciando esse compartilhamento da invasão criminosa e destruidora - prática comum aos que eles (os hackers) passaram a chamar de crackers.

A discussão sobre software livre enquanto movimento político e a lógica dos hackers deve, ao meu ver, permear a prática do educador. Pekka Himanen apresenta sete valores existentes em uma ética hacker. São estes: paixão, liberdade, valor/sentido social, abertura, atividade, consideração e criatividade. Numa definição rápida a paixão corresponderia ao que Linus chamou de entretenimento, entusiasmo e prazer pelo trabalho; a liberdade está associada ao estilo de vida dos hackeres, ao lúdico, à experimentação e à realização do trabalho em horário mais conveniente sem o aprisionamento do relógio na / da sociedade capitalista; valor ou sentido social relaciona-se à importância e contribuição do trabalho pela e para a comunidade (trabalho como um bem social); abertura diz respeito ao código aberto, às possibilidades de ser melhorado, aprimorado, copiado; atividade corresponde à aplicabilidade dos princípios e valores de cada indivíduo; a consideração refere-se ao respeito ao outro, à vida em comunidade contribuindo para um clima harmonioso e finalmente a criatividade logicamente ligada à possibilidade de inovar, de criar sempre algo surpreendente, novo, autêntico... Indispensável à criação, desenvolvimento e aprimoramento de softwares; às descobertas e à alimentação do compartilhamento, essenciais à prática de uma educação libertária como tanto sonhou Paulo Freire.

Referências:
BONILLA, Maria Helena. Formação de professores e software livre: para além da dimensão técnica. In: FANTIN, Monica; RIVOLTELLA, Pier Cesare. Cultura Digital e Escola: pesquisa e formação de professores. São Paulo: Papirus, 2012.


HIMANEN, Pekka. A ética dos Hackers e o espírito da era da informação; a importância dos exploradores da era digital. Tradução de Fernando Wolff. Rio de Janeiro: Campus, 2001.

 

 

terça-feira, 29 de maio de 2012

A Inclusão digital e o hiato entre a sociedade e a escola

Nunca estive pensando tanto sobre as distancias que existem entre as coisas que acontecem na escola (o de dentro) e as que acontecem fora dela, quanto nesses últimos meses... Deve ser o efeito “Bonilla” que vai fazendo com que nossa mente vire uma teia de reflexões e relações sobre temas afins ou nem tanto assim. Nessas discussões sobre cibercultura, cibercidadania, gerações de A a Z, mobilidade e inclusão digital, por exemplo, relembro as escolas que temos, as políticas públicas que estão postas, os discursos positivistas e muitas vezes ocos de ações efetivas; e é impossível não perceber o hiato que existe entre a vida aqui fora (a sociedade) e aquela que acontece sob “a proteção” dos muros da escola. Parece que escola e sociedade andam em ritmos diferentes, em mundos diferentes, em sintonias diferentes e que ocasionalmente se encontram em raros e “acidentais” eclipses. Como associar uma sociedade conectada cada vez mais móbil, convergente e “incluída” a uma escola com computadores, mas sem internet, sem rede wi fi, onde a tecnologia que impera na maioria das vezes é o piloto e quadro branco? Um dos grandes paradoxos enfrentados atualmente a partir desse contexto, onde a evolução da internet e outras mídias cresce de modo expressivo essencialmente nas grandes metrópoles, seria o que SILVA (2009) chama de “participação cidadã na era digital” pois, percebemos que apesar das tecnologias estarem mundialmente difundidas, não está ao alcance de todos, sobretudo em nosso país e de modo muito específico nas nossas escolas públicas. De acordo com dados da última pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, referente ao ano 2010, a Bahia ocupa o 20º lugar no ranking da Inclusão Digital no Brasil, com cerca 25,62% de residências com microcomputadores, sendo que destes somente 21,6% tem internet, evidenciando o exposto acima. A concepção de inclusão digital que permeia as políticas públicas no Brasil e com a qual temos tido contato desde que tal expressão surgiu (no ano 2000), e mesmo desde a criação do Proinfo e posteriormente com a ampliação para o Proinfo Integrado é limitada e pauta-se visivelmente no provimento de equipamentos “off line” para as escolas e na instrumentalização dos professores para o uso dessas “ferramentas”1 . Não se percebe uma preocupação com a formação política dos sujeitos, com a criação de uma cultura digital que não apenas consuma ou reproduza, mas que seja estimulada a produzir, intervir, alterar, criar e socializar conhecimentos e atitudes, contribuindo para uma sociedade mais interativa, colaborativa, política e consciente. Uma escola off line, com professores “mono” numa sociedade cada vez mais online, com seres (nativos ou imigrantes) potencial e metamorfosicamente multi, aumentará o hiato e “produzirá” cada vez mais alienígenas. E quem são os alienígenas?

1. O termo ferramenta, sobre o qual discordo quando usado para referir-se às tecnologias interativas, foi propositalmente utilizado para melhor explicitar a concepção “dura”, cartesiana e instrumental que as políticas públicas tem dado à inclusão digital.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Inter...ATIVIDADE

O vídeo a seguir retrata a descrição inicial de Levy, quando na abordagem sobre a interatividade  ele fala do Beyond Pages, de Masaki Fjihata o que considera como “uma das mais belas ilustrações das ‘artes da interatividade’”. O vídeo apresenta, num cenário que mistura o real com o virtual,  a imagem de um livro e uma caneta eletrônica e, no pagear do livro, na relação entre signo e coisa, a figura da maçã sendo devorada a cada clique é associada metaforicamente ao “consumo” da informação através da leitura, numa simbiose entre leitor e livro, entre objeto e sujeito, entre coisa e signo. No vídeo, o livro aparece como um transportador de informação e meio de armazenamento da mensagem, servindo também como um símbolo para a cultura textual e para a prática de um método linear de leitura (o passar das páginas, mesmo com recursos eletrônicos como a caneta), apesar de Beyond Pages (além das páginas) apresentar possibilidades de exceder os limites bidimensionais da superfície.
Em Beyond Pages, Fujihata refere-se ao potencial da tecnologia para a formulação de um conteúdo valioso com a fantasia, concentração, a curiosidade, a imaginação, o "jogo" dos corpos... alguns dos principios característicos da interatividade apontados por Levy.


Reflexões sobre objetos de aprendizagem

As discussões sobre objetos de aprendizagem ganharam força com a expansão da internet e, mais especificamente no início deste século com a necessidade de se criar recursos/interfaces/atividades para/com a implementação da EAD no Brasil.  Recursos esses que tomaram forma e são entendidos por muito estudiosos como objetos de aprendizagem, por características abordadas logo a seguir.
Desde então, pelo que se tem estudado não há um consenso para a definição do que venha a ser exatamente um objeto de aprendizagem. Nota-se diferenças de conceitos e de nomenclatura que variam de acordo com os grupos que estudam, o entendimento de pesquisadores do assunto e sobretudo com o enfoque pedagógico que é dado na produção dos objetos.
Os conceitos são carregados de concepções históricas ou ideológicas. Cito como conceito histórico o cunhado por Wiley (2000) e muito comumente utilizado, para quem objeto de aprendizagem é “Qualquer recurso digital que possa ser reutilizado e ajude na aprendizagem”. Desse conceito destaco três aspectos que considero importantes para o entendimento do que sejam, nesta lógica, objetos de aprendizagem: o primeiro é que precisam ser “digitais”, logo qualquer artefato ou recurso criado utilizando tecnologia analógica pode ser entendido como recurso pedagógico, material didático-pedagógico ou qualquer outro nome, mas que definitivamente não se enquadraria na concepção de O.A. ou O.D.A. (Objetos Digitais de Aprendizagem) como também e, a meu ver mais adequadamente, já foram chamados. O segundo aspecto envolve a prerrogativa do reuso, o que indica que na sua construção, os objetos apresentem características, apontadas por TAROUCO et al, 2003) como: generalidade, granularidade, adaptabilidade escalabilidade, flexibilidade... que favorecem a remixagem e a reutilização do todo ou partes, sem perder suas características essenciais, seu sentido e sua função. Por fim, o terceiro aspecto é a aplicação pedagógica ou sua utilização com fins pedagógicos o que pode, atribuir sentidos ao seu uso, tornando-os não necessariamente mais atrativos, mas bastante funcionais.
Há algumas definições mais amplas que consideram  não apenas o digital como objetos de aprendizagem. Uma das mais conhecidas é a do Learning Objects Metadata Workgroup, um grupo especializado em estudos e catalogação de metadados para objetos de aprendizagem; para quem "qualquer entidade, digital ou não digital, que possa ser utilizada, reutilizada ou referenciada durante o aprendizado suportado por tecnologias", pode ser entendido como O.A.

A despeito das diferenças conceituais e das discussões se somente digitais ou não, são entendidos como objetos de aprendizagem, há duas características sobre as quais parece haver consenso entre todos os pesquisadores: a característica do reuso (flexibilização e possibilidades de reutilizar em diversos contextos ou situações) e a aplicação na educação, como suporte à aprendizagem. Sobre esta ultima característica, levanto uma questão que ainda não me parece muito clara, conceitualmente falando, mas que será apenas mais um elemento de sequencia de pesquisas:  Um objeto de aprendizagem essencialmente nasce com fins educacionais ou ele pode, mesmo criado sem esta finalidade, constituir-se em tal?  
Há, naturalmente muito a se considerar sobre o assunto; desde o processo de concepção, criação, passando pela validação, armazenamento (repositórios), compartilhamento, uso e avaliação. Vou pausar essas considerações refletindo um pouco e bem superficialmente sobre a estrutura de boa parte dos objetos de aprendizagem que encontramos nos nossos repositórios. Embora muitos já apresentem propostas mais interativas, inovadoras, fluidas e inteligentes, muitos deles foram e são construídos numa lógica totalmente linear e é comum perceber ranços do behaviorismo de Skinner com foco no associacionismo, na lógica do condicionamento operante e na instrução programada, com respostas pré-programadas e esperadas na solução de enigmas ou problemas propostos. Muitos dos objetos seguem a lógica cartesiana, muitos limitam as ações e reflexões e primam pela repetição mecânica dando pouca ou nenhuma possibilidade de ação e interação.
A elaboração dos objetos de aprendizagem, assim como toda a ação pedagógica é embasada por teorias epistemológicas que permeiam toda a nossa formação/ação e permanecem arraigadas, justificando e alicerçando a visão de mundo e de educação de quem produz, valida, usa e reusa os objetos de aprendizagem. É, conforme Paulo Freire, a perspectiva da não-neutralidade inerente ao ato de educar – um ato político, por assim dizer.
RECOMENDO, A TÍTULO DE COMPLEMENTAÇÃO...

A entrevista com César Nunes, educador que desenvolveu o projeto Objetos de Aprendizagem na Escola do Futuro da USP. Clique no link:


Referências (bases de leituras):
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Brasil: Paz e Terra, 1997.

TAROUCO, Liane M. R. et al. Alfabetização visual para a produção de objetos educacionais. Disponível em: < http://www.cinted.ufrgs.br/renote/set2003/artigos/artigo_anita.pdf>. Acesso em:
15 fev. 2006.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Sobre a cultura das mídias...

A leitura do texto de Santaella (e depois lendo mais alguns ainda que não aprofundadamente, por enquanto) trouxe-me inicialmente a sensação de que ela se preocupou em “atender” algumas das nossas (minhas especialmente) necessidades de compreender conceitos e expressões ditas básicas nessa sociedade contemporânea ou da informação. Como ela mesma afirma, as reflexões do texto, fundamentadas no seu livro “Culturas e Artes do Pós-Humano: da cultura das mídias à cibercultura”, publicado em 2003, são tentativas de, enquanto pesquisadora, gerar conceitos e ajudar a compreender as complexidades desta realidade em constante mutação.

As discussões travadas nas aulas de Bonilla sobre cibercultura, cultura digital ou cultura das mídias vão ganhando corpo à medida que as leituras se aprofundam. Em Santaella, percebe-se algumas explicitações (ou apenas citações) conceituais a exemplo da definição de cultura das mídias que aparece como cultura intermediária entre cultura de massas (mass media) e cultura virtual ou cibercultura - note-se que cultura virtual e cibercultura tem, aqui, a mesma definição. Para ela, “a cultura virtual não brotou diretamente da cultura de massas, mas foi sendo semeada por processos de produção, distribuição e consumo comunicacionais a que chamo de “cultura das mídias”.

A polissemia e hibridismo da linguagem exercem um papel fundamental no processo de passagem da cultura das mídias à cibercultura. A linguagem é um elemento fundamental no processo de apropriação dos signos e de mediação entre os sujeitos. Vygotsky, muito antes dessas discussões “ciber” abordava a importância de compreender a linguagem tendo em vista que além de exercer funções de comunicação, ela é essencial no processo de transição do interpessoal em intramental; na formação do pensamento e da consciência; na organização e planejamento da ação; na regulação do comportamento e, em todas as demais funções psíquicas superiores do sujeito. Essas diversificações refletem-se nas multiplicidades de mídias que criamos, conhecemos e conheceremos.

Há ainda no texto, outros conceitos e abordagens interessantes como o paradigma informacional - compreendido de forma mais global, em que a informação está posta como instrumento de poder e moeda corrente / de troca; a sblevação cultural, a tecnologia do microchip, a cultura do pós-humano, nanotecnologia, a vida ciborg, tecnologia X mercado e mais alguns que são apenas a ponta desse iceberg digital tecnológico, mas que ficarão para uma outra oportunidade, uma outra postagem.

Deixo, antes de me ir, uma provocação, a partir de reflexões sobre as influências das mídias na cultura e, portanto, na sociedade. Afinal, o homem é produto da mídia ou a mídia é produto do homem?

terça-feira, 27 de março de 2012

Ainda... a Cibercultura!



Desde que comecei a ler os textos de André Lemos1 e de Elizabeth Saad Corrêa2 sobre a cibercultura e essas possibilidades de recombinação dos diversos elementos na cultura contemporânea e de formação de novos saberes-vivências, me veio à mente a questão da alquimia enquanto concepção e enquanto prática.
A alquimia era (ou é) uma prática da antiguidade que tinha como base combinar os elementos da astrologia, antropologia, filosofia, matemática, misticismo,... e da química com a finalidade de transmutar os elementos (metais mais inferiores em ouro, por exemplo) para alcançar dentre outras coisas, o elixir da longa vida. Metaforicamente falando, essa transformação de elementos mais inferiores em ouro relaciona-se a uma mudança de consciência, como o resultado de um processo evolutivo.
No mundo da cibercultura ou no cibermundo uma alquimia digital, mais uma vez usando uma metáfora, permite recombinar, mesclar elementos, reproduzir, produzir, socializar, expandir, distribuir... transformando as relações entre o humano e os artefatos tecnológicos e culturais e entre o homem e ele mesmo, criando, segundo Lemos os territórios informacionais, especialmente com a expansão das tecnologias móveis (comunicação sem fio).
A sociedade é híbrida desde sempre. Mutações culturais são históricas. As reconfigurações, justaposições, aglutinações, mesclagens, apropriaçoes,... são características do campo da cultura que não é e nem pode ser inflexível, impermeável a outras formas de cultura. E é essa permeabilidade que mantem a cultura e a sociedade vivas, dinâmicas, interessantes.
Lemos apresenta três princípios norteadores da cibercultura: um primeiro é a liberação do pólo da emissão, uma descentralização na produção e emissão de informações, especialmente com o boom dos blogs, redes sociais e das multimídias, como o celular (tele tudo), o que Corrêa cita como ubiquidade; uma segunda lei é a conexão, princípio fundamental para a difusão dos saberes. Na cibercultura, não basta produzir, é fundamental publicar, compartilhar. Neste caso, a rede (internet) exerce um papel visceral. É graças a ela, e daí a luta pela universalização do acesso à web de qualidade (banda larga), que torna possível que o indivíduo seja um comunicador, um difusor de informações e conhecimentos. Aqui vai uma crítica à lentidão e descaso das políticas públicas que preocupam-se em dotar as escolas com tecnologia (tablets, PC ou UCA, por exemplo), mas não provem a infraestrutura para a conexão. Qual o sentido desses projetos ou programas na cibercultura?
E por fim, o terceiro princípio apresentado pelo autor é o da reconfiguração da indústria cultural de massa, para a cultura infocomunicacional. O que há, portanto, é uma reformulação e não o fim da cultura massiva.
E a cibercultura é, por tudo que se tem estudado e vivenciado, um território rico de possibilidades de recombinações, de estabelecimento de novos saberes e vivências, e por que não dizer, de alquimias!?
1. CIBERCULTURA COMO TERRITÓRIO RECOMBINANTE - André Lemos2. CIBERCULTURA: UM NOVO SABER OU UMA NOVA VIVÊNCIA? - Elizabeth Saad Corrêa do livro que estão na parte II do livro A CIBERCULTURA E SEU ESPELHO. Campo de conhecimento emergente e nova vivência humana na era da imersão interativa - Eugênio Trivinho e Edilson Cazeloto (Org.), da Coleção ABCiber, disponível em <http://abciber.org/publicacoes/livro1/a_cibercultura_e_seu_espelho.pdf>